mas vou tentar.
tentar:
escrever para você uma carta de três páginas e muitos arrependimentos e despachar em um envelope laranja - envelope laranja que eu comprei por SETENTA E CINCO centavos naquela papelaria que a gente tanto gosta, no centro do rio de JANEIRO. você comprou seus pincéis, suas tintas, e eu gastei o resto do meu salário com canetas que não combinam comigo e: envelopes.
o corte de cabelo não combina.
o dente quebrado na boca, idem.
escrever uma carta pra você perguntando:
não é estranho quando alguém está falando contigo e, a partir de determinado momento - a gente nunca sabe qual é esse momento - os seus olhos e o seu cérebro e os dois juntos não são capazes de assimilar absolutamente nada?
e acrescentando:
você percebe que se transformou em um ser inanimado: suas mãos não se movem, suas pernas viraram dois blocos de concreto. seu coração? seu coração saiu do peito. você percebe que a boca alheia se transformou em um buraco cheio de pedras brancas e o monólogo nada mais é, a partir daquele último momento, do que um musical mudo sem fim.
escrever uma carta para você e contar sobre a chuva do fim de tarde. sobre a morte do cachorro da vizinha. sobre o meu gato que não para de fazer xixi pela casa. sobre as dores que tenho sentido nos joelhos. sobre a receita italiana que eu aprendi a fazer. sobre como é triste e dolorido não ter você por aqui. sobre como as paredes estão repletas da sua ausência. sobre como meu sorriso é estranho. sobre como me falta o sono. sobre como me falta dinheiro. sobre como eu perdi o jeito pra coisa. sobre como eu perdi o jeito pra tudo.
dizem que é fase.
dizem que é idade.
dizem que depois melhora.
só tenho acreditado no poder das ervas naturais.
escrever uma carta pra você e contar sobre isso, também.
na vitrola: dirty three featuring chan marshall - great weaves