sábado, 19 de julho de 2014

sobre ontem



algum vizinho foi viajar e deixou o gato sozinho no apartamento. não consigo pregar os olhos, ouvindo o miado choroso do bichano. devo ter dormido três horas nas últimas 48 horas - tendo sido duas dentro do ônibus, fazendo o trajeto rio-niterói. tentei, mais uma vez, ir até ipanema para levar a carta do médico do trabalho, com o seu imenso carimbo de INAPTA marcado, mas os relógios da cidade voltaram-se contra mim e tive que me contentar apenas com a análise.

(sinto sono.
não sinto vontade de dormir.
sinto vontade de comer a cada vinte minutos.
seis quilos em duas semanas.
um vidro a menos de remédio para queimação no estômag.)

faço análise duas vezes por semana. antes, terças e quintas. agora, segundas e sextas. mudei o dia da semana porque às sextas é justamente quando o monstro da solidão bate ponto por essas bandas. eu tenho me desesperado com uma frequência significativa às sextas. semana retrasada, cheguei a ligar para os bombeiros para pedir ajuda: "oi, eu moro sozinha e estou tendo uma crise de ansiedade. vocês poderiam mandar uma ambulância aqui? eu preciso ir até o no jurujuba, por favor". jurujuba é o hospital psiquiátrico de niterói, mas a ambulância nunca foi mandada, porque a conversa terminou com o atendente dizendo que eu deveria ligar para o 192. estou sem remédios há três semanas e nada, aparentemente, vai fazer com que eu volte a usar qualquer tipo de droga para domar o meu cérebro. ruim sem eles, pior com eles.

(meditação.
erva de são joão.
mandalas, quebra-cabeças,
caixinhas de madeira, revisas velhas,
tesoura, cola, cozinha, novas receitas)

no more psiquiatras. preciso, mesmo, é marcar ginecologista. e clínico geral. e dentista. e oftalmologista. as lentes dos meus óculos estão impossíveis. missão impossível do mês: fazer óculos novos gastando menos de duzentos reais. porque eu também preciso vacinar o sebastião. e castrar o sebastião. e pagar não sei mais quantas taxas para obter o visto e o passaporte. e o passaporte do sebastião. e gato precisa de passaporte? disseram que sim, li que não. 

(um dia a menos.
sempre um dia a menos)

tenho tentado me manter positiva,
apesar da vida.
apesar. da. vida.

sair de casa continua bastante complicado,
mas eu sei, sim, eu sei, que daqui a um ano
estarei espetacular. ESPETACULAR.

talvez eu nunca mais consiga voltar para o meu antigo trabalho. talvez o meu antigo trabalho
tenha sido o meu pior erro com acerto, pois foi lá que encontrei o tipo de pessoa que eu não quero me transformar.
tipo, no singular, não; tipos, no plural, sim:
amarga, conformada, acomodada,
alienada, embasbacada, deslumbrada ou, pior, pior:
engessada.
é isso. eu não quero ser uma pessoa engessada e, para mim, aquela corja, 
comandada por aquele paspalhão, aquela corja é formada por gente menor.
é uma gente engessada, sem ideias próprias, obrigada a obedecer alguém que
não sabe a diferença entre alhos e bugalhos, marketing e cozinha.
e todos aqueles fantasmas que ficam resmungando entre as estantes, todos aqueles fantasmas são amargos
e acomodados e ruidadosamente infelizes.
não, não foi pra isso que eu deixei são paulo. não foi para me tornar uma pessoa assim que eu passei dias sem ter dinheiro para comer decentemente - "mas o que você fez para emagrecer tão rápido?".
eu quero crescer. e quero que seja doce. eu quero me movimentar, me empurrar para frente.
quero criar, pensar, rugir.
não foi para carregar bandejas em reuniões patéticas, recheadas de obviedades, que eu deixei meus amigos e minha pequena yasmim para trás. eu não deixei minha cidade, minhas ruas, meus lugares, meus cantos e minhas cicatrizes de concreto para babar ovo em jornalista especializada em livro que lê apenas 10% daquilo que começa.
sabe?
não dá pra acreditar que eu adoeci por isso.
deus.
meu. 
ora, lilian, faça-se o favor.
talvez eu não volte mesmo para o meu antigo trabalho. e, se eu tiver que voltar, que seja passageiro, sem mais qualquer marcas.

a vida é muito possível para eu continuar ali.
SIM.
a vida é lindamente possível.

na vitrola: industries of the blind - i just wanted to make something beautiful