sábado, 2 de agosto de 2014

rosa montero e as verdades

"(...) quando traímos a nós mesmos, quando nos curvamos, quando nos vendemos, somos duplamente notórios em nossas trapalhadas. e também porque todo poder precisa de arautos e porta-vozes; todo poder precisa de intelectuais que inventem para ele uma legitimidade histórica e um álibi moral. estes, os intelectuais orgânico, a meu ver são os piores. são os mandarins, e não se exerce impunemente este papel barrigudo de grande buda. paga-se em criatividade e conteúdo literário, como talvez se possa comprovar na trajetória de um Cela, por exemplo. mas os outros tampouco são puros. aliás, desconfio dos puros: eles me apavoram. dessa pureza fictícia nascem os linchadores, os inquisidores, os fanáticos. não se pode ser puro sendo humano, de modo que os outros vão se adaptando em sua relação mutável e escorregadia com o poder. vão buscando seu equilíbrio, como patinadores em um lago congelado e coberto de perigosas placas de gelo muito fino. alguns patinam muito bem e conseguem não cair; outros passam quase o tempo todo dentro d'água. ou seja, falando claro e deixando de metáforas: alguns são muito mais dignos e outros incomparavelmente mais indignos."

em 'a louca da casa', livrinho espetacular.