segunda-feira, 13 de outubro de 2014

recomeçar

a vida por um fio. a mente à beira do abismo. lutar contra você mesma, todos os dias. vigiar cada pensamento, cada escolha, cada palavra. um passo errado e o esforço de meses escoa ralo abaixo. recomeçar. fechar os olhos, dormir, acordar e recomeçar. recomeçar, apesar da ressaca do existir, dos olhos inchados, da cabeça pesando meia tonelada. recomeçar, apesar das pessoas monitorando você com olhos de piedade - quando tudo o que você não quer é piedade, mas compaixão e empatia. recomeçar, apesar de ter que dar explicações sem ter qualquer uma. 

foi ontem, às sete da noite, que tudo começou: vozes e risadas de crianças, pensamentos repetitivos e a visão de um futuro de mendicância, completamente solitário. as roupas espalhadas pela casa, o banheiro sujo com a areia do gato, a louça na pia. revistas, papeis,  poeira, minha sujeira de três dias acumulada, servindo de prenúncio do que estava por vir.

a falta de ar.
o choro incontido.
a certeza de ter ficado louca,
definitivamente louca.

o medo de morrer sozinha em um apartamento do centro de niterói. o medo de deixar o gato abandonado, sem ninguém. o medo de uma promessa de felicidade ser arruinada pelas minhas próprias mãos. os pensamentos que não param, as vozes que não se calam, o medo. por que é que tem que ser assim? medo, por que é que você sempre volta? a velha espiral de dor, novamente, instalada dentro do meu peito. a mente à beira do precipício.

não conseguir respirar.
não conseguir controlar.
a janela, mais do que nunca,
tentadora.

voar.
voar.
voar.

o telefone toca. é a amiga de são paulo do outro lado da linha. ela diz que entende, que sabe, que conhece a dor. não duvido. calmamente, ela tenta me fazer enxergar e aceitar que fui atropelada por um caminhão, que estou doente, que preciso de tratamento, de remédio, de curativos. não duvido, de novo. e ela diz que vai passar. ela diz que parece que não, mas vai. quando se tem a velha espiral de dor instalada dentro do peito é realmente muito difícil acreditar que ela será removida em poucas horas. porque parece ser crônico, para sempre.

não parece,
mas vai.

desligamos. a loucura cede espaço para a culpa. ataco o que tenho na geladeira. mais culpa. ataco o meu braço com uma faca de cozinha. não vejo sangue. ataco meu braço com a lâmina do barbeador. sangue. o alívio é imediato. mais um corte. e outro. e outro. alívio. a dor ali. a dor que eu queria ver. a dor pingando na minha camiseta. alívio.

dura dez minutos.

depois, mais culpa. 
depois, a loucura.
de novo, de novo.
parece não ter fim.

"não parece que vai passar,
mas vai."

recomeçar. fechar os olhos, dormir, acordar e recomeçar. recomeçar, apesar da ressaca do existir, dos olhos inchados, da cabeça pesando meia tonelada. recomeçar.

hoje é tudo o que eu preciso fazer:
recomeçar.