segunda-feira, 13 de outubro de 2014

she's back!

o tanto que eu gosto desta moça. <333

74

demorei para sair de casa. primeiro deixei as coisas no correio e depois segui para o ponto de ônibus. estava mais calma e preparada para lidar com o ambulatório psiquiátrico de Jurujuba. vento no rosto, paisagem de São Francisco, eu sabia exatamente o que falar para o médico plantonista: "eu estou bem, mas ontem, eu queria pular da janela e tive que me cortar para frear os pensamentos". e foi exatamente isso o que eu disse. não demorou mais de vinte minutos entre a minha chegada, o atendimento e a minha partida. não foi traumatizante, como das outras vezes. pela primeira vez, não chorei. "be brave, be a pirate".

não lembro quando estive lá pela primeira vez. o lugar é bem parecido com a Santa Casa de Misericórdia, na Vila Mariana, em São Paulo. talvez seja por isso que eu sempre me recordo de uma das últimas vezes em que estive lá. foi com o meu ex-chefe, o Ronoc. depois de aparecer na livraria completamente transtornada, ele ligou para a minha psiquiatra da época e pediu orientações. assim que ele desligou o telefone, pediu para eu pegar as minhas coisas e fomos para o ponto de táxi do shopping onde trabalhávamos. a partir daí, eu não me lembro de muita coisa. sei que conversamos muito durante o trajeto. na verdade, eu balbuciava algumas coisas e ele apenas concordava. ficamos por quase duas horas na sala de espera e a consulta foi bastante rápida. não lembro do que eu disse para o plantonista, mas lembro de o Ronoc ter perguntado se não seria melhor eu passar a noite ali. diante a negativa do médico, seguimos para outro ponto de táxi para que ele pudesse me deixar em casa. lembro da minha mãe abrindo a porta, lembro dos dois me colocando na cama. mais nada. meses depois, o Ronoc deixou de ser meu chefe. meses depois, eu pediria demissão daquela livraria para morar no Rio de Janeiro.

minha depressão aqui agravou-se, principalmente, pelas coisas que aconteceram no meu ambiente de trabalho. nunca lidei muito bem com o fato de ser apontada como "uma promessa" e, sem qualquer explicação, escutar que eu nada mais era do que "uma decepção para empresa". além, claro, das perseguições por parte da chefia e colegas. diariamente, eu ouvia piadas acerca do meu sotaque e da minha origem. diariamente, o fato de ser vegetariana era motivo de chacota na cozinha, durante o horário de almoço - deixei de comer várias vezes e usava meu intervalo para fumar um cigarro atrás do outro. além que o fato de ter afinidade com uma garota, negra e lésbica, e conversar quase exclusivamente com ela ter me colocado na mira de uma chefe racista e homofóbica, que chegou a inventar que estávamos tendo um caso. depois de um ano, me transferiram para outra loja, porém a ferida permanece aberta. eu não consigo trabalhar sem deixar meus fantasmas trancados na gaveta. aquele lugar me dói inteira. diferente da livraria de SP, onde construí uma família, a livraria da T só me proporcionou cicatrizes: uma pior do que a outra. 

das coisas boas do dia: só faltam 74.

recomeçar

a vida por um fio. a mente à beira do abismo. lutar contra você mesma, todos os dias. vigiar cada pensamento, cada escolha, cada palavra. um passo errado e o esforço de meses escoa ralo abaixo. recomeçar. fechar os olhos, dormir, acordar e recomeçar. recomeçar, apesar da ressaca do existir, dos olhos inchados, da cabeça pesando meia tonelada. recomeçar, apesar das pessoas monitorando você com olhos de piedade - quando tudo o que você não quer é piedade, mas compaixão e empatia. recomeçar, apesar de ter que dar explicações sem ter qualquer uma. 

foi ontem, às sete da noite, que tudo começou: vozes e risadas de crianças, pensamentos repetitivos e a visão de um futuro de mendicância, completamente solitário. as roupas espalhadas pela casa, o banheiro sujo com a areia do gato, a louça na pia. revistas, papeis,  poeira, minha sujeira de três dias acumulada, servindo de prenúncio do que estava por vir.

a falta de ar.
o choro incontido.
a certeza de ter ficado louca,
definitivamente louca.

o medo de morrer sozinha em um apartamento do centro de niterói. o medo de deixar o gato abandonado, sem ninguém. o medo de uma promessa de felicidade ser arruinada pelas minhas próprias mãos. os pensamentos que não param, as vozes que não se calam, o medo. por que é que tem que ser assim? medo, por que é que você sempre volta? a velha espiral de dor, novamente, instalada dentro do meu peito. a mente à beira do precipício.

não conseguir respirar.
não conseguir controlar.
a janela, mais do que nunca,
tentadora.

voar.
voar.
voar.

o telefone toca. é a amiga de são paulo do outro lado da linha. ela diz que entende, que sabe, que conhece a dor. não duvido. calmamente, ela tenta me fazer enxergar e aceitar que fui atropelada por um caminhão, que estou doente, que preciso de tratamento, de remédio, de curativos. não duvido, de novo. e ela diz que vai passar. ela diz que parece que não, mas vai. quando se tem a velha espiral de dor instalada dentro do peito é realmente muito difícil acreditar que ela será removida em poucas horas. porque parece ser crônico, para sempre.

não parece,
mas vai.

desligamos. a loucura cede espaço para a culpa. ataco o que tenho na geladeira. mais culpa. ataco o meu braço com uma faca de cozinha. não vejo sangue. ataco meu braço com a lâmina do barbeador. sangue. o alívio é imediato. mais um corte. e outro. e outro. alívio. a dor ali. a dor que eu queria ver. a dor pingando na minha camiseta. alívio.

dura dez minutos.

depois, mais culpa. 
depois, a loucura.
de novo, de novo.
parece não ter fim.

"não parece que vai passar,
mas vai."

recomeçar. fechar os olhos, dormir, acordar e recomeçar. recomeçar, apesar da ressaca do existir, dos olhos inchados, da cabeça pesando meia tonelada. recomeçar.

hoje é tudo o que eu preciso fazer:
recomeçar.